sábado, 28 de outubro de 2006

uns mais iguais que os outros

Às vésperas de sua despedida da Timbalada, o vocalista Ninha, ao comentar sobre Carlinhos Brown, disse algo real e interessante: "Ele está sempre na frente, sempre reinventando, quando você pensa que vai pegar no calcanhar dele, já deu mais um passo". O motivo de apresentar essa passagem da entrevista de Ninha é para fazer uma analogia entre a relação da TV Globo e suas "concorrentes" (concorrentes?!). Mais precisamente, os debates envolvendo os candidatos a presidente em 2006. É a mesma coisa. Imaginava-se, como na maior parte dos outros, um debate enfadonho (o que não deixou completamente de ser), mas a maior emissora do país inovou e renovou, como faz o já citado artista baiano.
Supunha-se que por ser o último debate (e desta vez quase todas as emissoras apelaram para a discussão televisiva com a duvidosa desculpa de favorecimento à democracia), descambaria ao fracasso, ao cansaço. Mas não. Sob novo feitio e enfeites tecnológicos, o debate apresentou os dois candidatos à vontade no palco, livres para circular e sentar (e se entreolhar, e se encarar). Willian Bonner, o mediador, esbanjou competência, comando e objetividade desde a apresentação das regras (e pelo que declarou ao final, era uma estratégia da emissora para não ultrapassar o horário legalmente permitido).
Sob uma pesquisa do Ibope, 80 eleitores indecisos de todas as regiões do país, compuseram a plateia e conduziram a discussão a partir dos seus questionamentos, frente-a-frente com os presidenciáveis. Desta vez, os jornalistas (da respectiva emissora organizadora do debate), nem estavam lá para dispararem suas perguntas aos candidatos, o que deu até saudade, devido ao que foi ouvido.
Não é responsabilidade direta do presidente se "o meu patrão não assinou minha carteira", ou se "em minha casa entra água quando chove". O rebolado dos presidenciáveis trouxe essas e outras questões para o universo da discussão prevista. Esse formato apresentado pela Globo (talvez, ou, certamente, sem intenção) propiciou a estratégia de Lula, pois obrigou os candidatos a falarem sobre planos e propostas de governo. Ainda assim, Alckmin não titubeava em atacar o governo atual e seu partido, em qualquer oportunidade possível. O tempo mais curto para as respostas tornou o debate menos consistente, mas mais diligente. Conseguiu, sem muito esforço, manter o espectador aceso, frente à televisão (até aquela hora!). Foi o melhor debate. Teve a dose certa entre afronta e respeito, delações e reconhecimentos entre os candidatos. Apesar do olho-no-olho, pega-pega, risadinhas e tom meio irônico, o âmago entre os debates foi o mesmo: o petista convence pela verdade (a quem interessar possa) e o tucano pela oratória (a quem, também, interessar possa). Como dissera os Engenheiros do Hawaí, os debates envolvendo os candidatos a presidente, no fundo, foram "todos iguais, tão desiguais, uns mais iguais que os outros..."

terça-feira, 24 de outubro de 2006

mais do mesmo

O título do texto é uma alusão a uma canção da saudosa Legião Urbana, que retrata, exatamente, o que ocorreu no debate presidencial promovido pela Rede Record: mais do mesmo. A começar pelos mediadores. Exceto Ricardo Boechat, na Band, os outros já foram da poderosa e maldita (pela própria classe jornalística) Rede Globo. Ana Paula Padrão, no SBT, Celso Freitas, na Record e Willian Bonner, que irá mediar na própria Globo, na sexta (27). O alvo deste texto é o debate de ontem (23), na Record, porém refere-se a todos os anteriores.
Pois bem. As repetições começaram no formato, idêntico aos outros. Mediador no centro, os candidatos postados, cada um, à direita e esquerda do apresentador. Platéia arrumadinha (às vezes nem tanto) à frente de tal cenário, munida, dentre interessados diretos (políticos e organizadores de campanha), de jornalistas especializados, ávidos para questionarem os presidenciáveis da vez.
Celso Freitas, então, anuncia as mesmas regrinhas castradoras. Regras elaborados para um robô programado responder, ou exigir que enquanto o candidato responda, faça uma contagem regressiva mentalmente para se situar. Convenhamos que o tempo (pelo visto, regra geral e imutável) de 2 minutos é curto, tanto que quase sempre é estourado pelos falantes. A temática do debate da Record foi a mesma: Alckmin nunca fala de planos de governo (o grande objetivo de um debate), só de denúncias e problemas relacionados ao partido que o presidente-candidato Lula é filiado. Até as respostas do atacado são as mesmas: apuração, será feita apuração e punição aos merecedores.
O comportamento dos oponentes também é o mesmo. O petista um pouco mais nervoso, tenso e com discurso guiado pela emoção, e o tucano mais equilibrado, estratégico (?!) e dramático no sentido cênico. Parecia estar em um eterno teste para novelas. Talvez pelo fato de estarmos próximos às eleições, esse confronto perdeu em agressividade. Não que essa seja uma característica primordial em tais eventos, mas, com certeza, desperta o telespectador na sua poltrona.
O falatório repetitivo e monótono deu o tom do debate. Geraldo e sua política à moda antiga, de discursos prontos, enfatizando os temas de modo geral (vou melhorar a educação, vou aumentar o emprego, vou melhorar a saúde....), quando o faz, e insistindo que tudo está péssimo no governo Lula. O petista, indiscutivelmente mais carismático e menos "malandro", seduz pela estampa verdadeira, humilde e projetos reais, mas enjoa com as comparações a outros ex-presidentes. Para quem assistiu aos outros debates, esse tornou-se pouco proveitoso.
Para não ficarmos bitolados somente nas igualdades entre os debates, teve, pelo menos, uma distinção. A Record colocou a contagem regressiva na tela, certamente para demonstrar credibilidade ao telespectador quanto ao fiel cumprimento dos prazos pré-determinados (ainda que a decorrência do tempo seja mais importante para o candidato visualizar). Sem muita ilusão, de diferente mesmo foi só isso! Sobre o ocorrido no debate, finalizo com o que diz o slogan da campanha publicitária (que ele caracterizou como "desperdício") do candidato tucano: nem mais, nem menos, apenas os fatos.

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

minha casa

Estive ontem (23), na Concha Acústica prestigiando o show do magnífico maranhense Zeca Baleiro. Isso me lembrou reouvir os discos dele (tenho os 5, e ainda aquele em parceria com Fagner). Considero-lhe, ao lado do pernambucano Lenine, do paraibano Chico César, do baiano Carlinhos Brown, dentre outros, um dos ícones da música brasileira. No deleite da canção "Minha casa", dele próprio e faixa de abertura do CD "Líricas", percebi, como acontece em muitas outras músicas, uma identificação ímpar comigo. Resolvi postar. É uma canção sobre realidade e como diz o autor: "de esperança, apesar do aparente desencanto".


é mais fácil cultuar os mortos que os vivos
mais fácil viver de sombras que de sóis
é mais fácil mimeografar o passado que imprimir o futuro
não quero ser triste
como o poeta que envelhece lendo maiakóvski na loja de conveniência
não quero ser alegre
como o cão que sai a passear com o seu dono alegre sob o sol de domingo
nem quero ser estanque como quem constrói estradas e não anda
quero, no escuro, como um cego, tatear estrelas distraídas
amoras silvestres no passeio público
amores secretos debaixo dos guarda-chuvas
tempestades que não param
pára-raios quem não tem
mesmo que não venha o trem, não posso parar
vejo o mundo passar como passa uma escola de samba que atravessa
pergunto onde estão teus tamborins
sentado na porta de minha casa
a mesma e única casa
a casa onde eu sempre morei

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

vivo

Há alguns dias, na faculdade, aula de Mari Fiorelli, determinado assunto trouxe à tona a questão da aquisição de CD's. A professora foi incisiva e, aparentemente, convicta da resposta, quando perguntou: alguém aqui ainda compra CD? Todos negaram, inclusive eu. Ela obteve a resposta que imaginava. Mas eu não quis, ou não tive coragem, ou não estava a fim mesmo de polemizar. Eu compro CD. E muito. Eu coleciono e só compro original, na loja. Sei lá, acho que herdei isso da minha mãe (se é que é possível haver genética nesse assunto). Minha mãe faleceu há sete anos (precisamente dia 23 de agosto de 1999), mas até lá, ela colecionava vários apetrechos: selos, pedras raras, moedas, livros, filmes e discos. Hoje dou continuidade. Atualizei (afinal, sou da era do CD e DVD!) e ampliei apenas as coleções de discos e filmes. Vergonhosamente, a de livros, enxuguei. As outras, sem dó, extingui.
Pra quem tem esse espírito de coleção, só vale o original, o completo. Só ouvir a música, por ouvir, não é interessante, ou completamente satisfatório. Eu quero a obra completa, a história musical, os compositores, as parcerias, os músicos envolvidos. Coletânea, não compro. Monto, de acordo com a minha preferência, apenas para colocar no carro. Coletânea não é gostar do artista, mas dos sucessos daquele artista. Assim é fácil! E nem sempre o fácil me seduz. Pra quem coleciona, o encarte, o cheiro de novo são fundamentais. A busca pela obra completa, é tudo. Um dos meus motivos de viver, um dos meus maiores prazeres, sem hesitar ou pestanejar, é a música. E CD, só original!
Agora vai uma canção de Lenine e Carlos Rennó, que está no disco In Cité, de Lenine, gravado ao vivo na França em 2004 (é difícil encontrar um "piratão" desse álbum!). Chama-se "Vivo" e, sob o jogo e malabarismo com as palavras, tão peculiar de Lenine (influenciado, sem dúvida, por Gilberto Gil) fala sobre a essência de um ser humano, no caso eu, pois me apossei da música. Até porque a arte está aí para adequarmos a nossa interpretação.


precário, provisório, perecível
falível, transitório, transitivo
efêmero, fugaz e passageiro

eis aqui um vivo

impuro, imperfeito, impermanente
incerto, incompleto, inconstante
instável, variável, defectivo

eis aqui um vivo

e apesar
do tráfico, do tráfego equívoco
do tóxico do trânsito nocivo
da droga do indigesto digestivo
do câncer vir do cerne do ser vivo
da mente, o mal do ente coletivo
do sangue, o mal do soropositivo
e apesar dessas e outras
o vivo afirma, firme, afirmativo
"o que mais vale a pena é estar vivo"

não feito, não perfeito, não completo
não satisfeito nunca, não contente
não acabado, não definitivo

eis aqui um vivo

eis-me aqui

domingo, 1 de outubro de 2006

rapa tudo

O grupo O Rappa surgiu há 12 anos, no Rio de Janeiro. A voz rouca e viril do vocalista Marcelo Falcão, aliada a letras de rebeldia e repúdio às distinções políticas, econômicas e sociais do Brasil, são marcas inconfundíveis da banda. A sonoridade instigante, suingada e indefinível faz o grupo transitar, sem dificuldade, entre alternativo e popular, absorvendo em seus shows um público de várias tribos. A formação atual é Marcelo Falcão, Xandão, Marcelo Lobato e Lauro Farias. O compositor Marcelo Yuka decidiu abandonar a trupe, a partir de 2001, devido a uma incompatibilidade ideológica das suas composições em relação aos outros integrantes.
Eles possuem 6 discos lançados ao longo da carreira, uma média de 1 a cada 2 anos. Tais números apontam para um louvável desdém dos rapazes à sedenta indústria fonográfica. Ainda assim, a fidelidade do seu público faz d’O Rappa um considerável vendedor de discos. As cantoras Maria Rita e Vania Abreu regravaram a canção “Minha Alma (A paz que eu não quero)”, em seus últimos álbuns. Essa situação demonstra a dimensão que vem alcançando o trabalho d’O Rappa. O seu leque de admiradores é ampliado por nomes como Zeca Pagodinho e o grupo Cidade Negra. Esse crescimento do conjunto carioca, em parte, vem do fervor espontâneo das suas apresentações ao vivo. A dedicação, principalmente do vocalista Falcão, é algo metafísico. Segundo crítica publicada no jornal O Globo (agosto/2001), “desde a Legião Urbana que não aparecia uma banda tão sintonizada com os corações e as mentes dos brasileiros”.

sábado, 30 de setembro de 2006

uma multidão em uma

Radicada em São Paulo, mas natural de Salvador, Vania Abreu começou a carreira cantando em bares da capital baiana. No início utilizava o sobrenome Mercury (originalmente Mercuri, oxítona), o mesmo da irmã famosa. Porém, buscando independência e autenticidade artística, optou por empregar o Abreu. Aliás, em uma das apresentações nas noites da cidade, foi convidada a ser backing vocal do cantor e compositor Gerônimo. Depois dessa experiência, montou a banda Biss. Porém, mesmo após apresentações em carnavais e para grandes multidões, ainda não estava realizado seu maior objetivo profissional.
Em busca de outros caminhos e panoramas na profissão, desembarca, com a cara e a coragem, na capital paulista. Nessa época surgia uma renovada safra de artistas, e Vania fazia parte da chamada “nova MPB”. O primeiro disco, lançado em 1995, emplacou sucessos como “As quatro estações”, uma parceria de Maurício Gaetani, Ary Sperling e Cláudio Rabello, e “Templo”, cujo autor é o paraibano Chico César. O segundo disco saiu em 1997, intitulado “Pra mim”. É nesse trabalho que ela interpreta magistralmente a belíssima canção “Dó de mim”, do cantor e compositor baiano Péri.
Mas a grande alavanca da carreira-solo dela ocorreu com o lançamento do terceiro CD, denominado “Seio da Bahia”. A diversidade musical desse trabalho proporcionou-lhe reconhecimento nacional. A faixa homônima ao título conta com a ilustre e carinhosa participação de Daniela Mercury. Por se considerar sem tribo ou rótulos musicais, batizou seu 4º CD como “Eu sou a multidão”, cuja fotografia principal retrata, paradoxalmente, um calçadão deserto, em plena luz do dia, no centro de São Paulo. Nesse álbum percebe-se uma intérprete mais madura e consciente de sua capacidade (ela é uma das preferidas da cantora Maria Rita). Destaques para a regravação da canção “Minha Alma (A paz que eu não quero)” do grupo carioca O Rappa e a gravação da gostosa “Pra falar de amor”, dos compositores Tenison Del-Rey e Paulo Vascon. Uma detalhada e aprofundada pesquisa sobre as canções brasileiras que dialogam com o nosso carnaval. Essa é a ênfase do seu mais recente trabalho. A paternidade do disco é dividida com o seu marido, o cantor e compositor paulista Marcelo Quintanilha. Assumidos fãs da maior festa popular do planeta, escolheram meticulosa e cronologicamente o repertório.
Vania empresta seu cantar suave e penetrante a composições que vão de Ary Barroso a Benito de Paula, Vinícius de Moraes a Carlinhos Brown, sem esquecer Gil, Caetano e Chico. Dentro desse universo, “Pierrot e Colombina” (título do disco) retrata a gama de sentimentos que permeia o carnaval com arranjos envolventes e muitíssimo bem elaborados.

sexta-feira, 29 de setembro de 2006

infinito particular

Recentemente, Marisa Monte lançou dois discos de uma vez no mercado. Havia mais ou menos cinco anos que ela não gravava um disco. Mas quando esse dia chegou, foi com direito a bis. Já tenho a dupla de CD's e realmente são dignos da artista. Permanecem as bem sucedidas parcerias com Brown e Arnaldo Antunes e vai além. Tem composições de Adriana Calcanhotto, Pedro Baby (filho de Pepeu e Baby), Seu Jorge, Nando Reis e até Marcelo Yuka (ex-Rappa). São de primeira linha.
Eu queria destacar e postar aqui a primeira canção do disco "Infinito Particular" (o pretão!), pois encontrei, na primeira audição, uma perfeita sintonia comigo. A música é homônima ao título do disco e foi composta pelo trio: MM/AA/CB.

P.S.: a música está grafada no feminino, mas não cometi a bobagem de convertê-la para o masculino para provar que sou macho! Não careço disso.

eis o melhor e o pior de mim
o meu termômetro, o meu quilate
ve, cara, me retrate
não é impossível, eu não sou difícil de ler
faça sua parte
eu sou daqui e não sou de Marte
ve, cara, me repara
não vê, tá na cara, sou porta-bandeira de mim
só não se perca ao entrar no meu infinito particular
em alguns instantes, sou pequenina e também gigante
vem, cara, se declara
o mundo é portátil pra quem não tem nada a esconder
olha minha cara
é só mistério, não tem segredo
vem cá, não tenha medo
a água é potável daqui, você pode beber
só não se perca ao entrar no meu infinito particular

quinta-feira, 28 de setembro de 2006

chama acesa pernambucana

Uma verdadeira fusão de música, teatro e poesia. A banda pernambucana Cordel do Fogo Encantado, nascida no final da década de 1990, a partir de um espetáculo teatral, é compreendida sob essas características. Surgiu na cidade de Arcoverde (entrada do sertão de Pernambuco) e é composta por cinco jovens: Lira Paes, Clayton Barros, Emerson Calado, Nêgo Henrique e Rafa Almeida.Tendo como base musical a força percussiva, adota uma salada rítmica que vai desde samba de coco, reisado e candomblé ao toré indígena. Outra marca do grupo é o lirismo das suas composições, que ganhou projetividade ao mesclar-se com o rufar dos tambores. Essa junção colocou a música como expressão maior do conjunto. A condição de revelação da música brasileira no início do ano 2000, aconteceu após apresentação no carnaval pernambucano. Eles conquistaram o público e a crítica.
O Cordel do Fogo Encantado encanta pela sua originalidade e pela ousadia de misturar letras-poemas entre verdade e entretenimento, divino e mundano, elementos sonoros e literários, batuque e poesia declamada. Os componentes da banda são pós-adolescentes que sofreram influências da literatura de cordel, festas populares típicas da região, mas também de hard core e rock and roll. Podem ser definidos como um retrato do Brasil, por trazerem na sonoridade elementos de repentistas, cantadores e indígenas, por tornarem macro o que, a princípio, soava regional.
A forte noção de espetáculo aliada ao fervor da percussão seca transformam as aparições do grupo em algo transcendente. Quem assistir a uma apresentação, gostando ou não, jamais sairá incólume. A entrega dos artistas é extremamente contagiante. Após Chico Science e sua Nação Zumbi desbravarem os manguezais brasileiros, o Cordel do Fogo Encantado é o maior surgimento da cena musical pernambucana.

quarta-feira, 27 de setembro de 2006

vamos comer feijão... com arroz

Nem tudo está perdido. Há uma luz no fim do túnel. Veja o motivo. É sabido que o mercado brasileiro ainda ostenta uma carga pesada de desempregados. Nas 6 maiores regiões metropolitanas do país, há mais de 2,4 milhões de seres humanos em busca do almejado emprego e mais de 8 milhões sem laborar, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma situação pouco animadora.
Em contrapartida, desde 2004, mesmo que pelejando, há um processo evidente de recuperação da economia do Brasil. Basta reparar no número de contratações formais e informais, por exemplo, no último verão, nas grandes regiões brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre e Recife). Superou o número de demissões em mais de 1 milhão. Aliás, a taxa de desemprego vem cumprindo sua tendência: recuou. Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, passou de 10,7% nos últimos dois meses, para 10,6% em agosto. Em São Paulo, maior metrópole da nação, segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) divulgada nesta terça-feira (26) pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a taxa caiu para 15,9%. O menor índice dos últimos 9 anos.
Esse texto não tem a finalidade de enaltecer a hipocrisia, mas a situação de emprego e renda no país já mergulhou em águas mais turvas. Se grandes corporações já não consideram mais inglês fluente, MBA e cursos de especialização como adjetivos interessantes, mas como exigências, há discrepâncias no mercado empregatício. Empresas como as redes de supermercados GBarbosa e Hiperideal (genuinamente baiana e pertencente aos donos do extinto Peti Preço), que empregam, de fato, centenas de indivíduos, adotam uma tática peculiar. Como pré-requisito ao candidato não exigem a “idade padrão” (18 a 25 anos), nem a tão crucial experiência profissional. A lógica adotada pelos empresários consiste na eliminação de ranços maléficos adquiridos em outras instituições. Eles oferecem treinamento completo e adequam o funcionário aos seus moldes. Daí vão dizer: “é preciso dominar outro idioma para trabalhar como caixa ou repositor em supermercados?”. Claro que não.
Porém, a briga constante (e saudável ao consumidor) entre lojas de varejo em Salvador, como Insinuante, Ricardo Eletro e, mais recentemente devido à inauguração de grandes magazines, a Romelsa, comprova uma hipótese: o grande veio do mercado consumidor, que faz rodar a economia do país, é o proletário brasileiro, é o assalariado de baixa renda. Quanto mais e mais estiveram trabalhando, melhor. A economia agradece.
A recuperação econômica do Brasil deve muito ao mercado interno, em função do aumento do consumo das famílias. Empregos estão sendo engendrados, também, além do comércio (primeiro lugar, com 19% do total), em indústrias de alimentação, bancos, e empresas de call center. Estas, em Salvador, quebram recordes. Das mais de 50 mil vagas originadas no país, cerca da metade pertence à capital baiana, segundo dados da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT). Tudo é call center. Às vezes, inegavelmente, incomoda, é chato. Porém, contribui para o desenvolvimento da economia brasileira. São milhares de pessoas ingressas no mercado, principalmente estudantes de nível médio e universitário. Diga-se, de passagem, as duas maiores empresas de call center do país possuem unidades em Salvador. Diluindo em números, a Contax gera, aproximadamente, 6 mil empregos na capital baiana e a Atento Brasil, mais de 5 mil. Em todo o país, o setor emprega 630 mil pessoas, com perspectivas de criação de mais 35 mil postos de trabalho, segundo a ABT.
Há, sim, que se comemorar. Para o futuro, segundo especialistas, está projetado um cenário de crescimento médio anual de 3,4% até 2012. A redução dos trabalhos precários (bicos) e o considerável acréscimo do salário mínimo, influenciaram e impulsionaram a economia, mesmo representando uma coronhada na cabeça das micro e grandes empresas. Mas quem consome e paga juros e mais juros é o povão. É na massa consumidora que está o filão. Certo que 350 reais não é salário digno, honroso. A situação ainda está manca, mas já capengou mais. Não dá pra cumprir a constituição (bendita constituição!): todo cidadão tem direito a alimentação, saúde, lazer e blá, blá, blá...
O título deste texto remete a uma longínqua canção do Caetano Veloso, mas para finalizar, recorre-se aos Titãs, que já perguntaram: “você tem fome de quê?”. E eles mesmos responderam: “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão, balé”. Lentamente, estão sendo dados alguns passinhos. Na mesa já dá para colocar o principal, e com complemento.

terça-feira, 26 de setembro de 2006

mais que fatal

Em 1979, Roberto e Erasmo Carlos escreveram uma canção, cujo título era: “Meu nome é Gal”. A conhecida dupla de compositores referia-se e dedicava a música a uma cantora baiana chamada Gal Costa. Já nessa época, seu tom inigualável devido a um potente agudo na voz, agraciava os ouvidos dos brasileiros. Batizada Maria da Graça Costa Penna Burgos, ela nasceu na cidade de Salvador, na Bahia, em 26 de setembro de 1945. Aos 20 anos de idade iniciou sua carreira.
Assinava ainda como Maria da Graça, quando participou de uma faixa no primeiro disco de Maria Bethânia, cantando, muitíssimo bem, “Sol Negro”, de Caetano Veloso. Em seguida gravou um compacto (pequeno disco contendo duas faixas e, há tempos, extinto pela indústria fonográfica) com as canções “Eu vim da Bahia”, de Gilberto Gil e “Sim, foi você”, de Caetano Veloso.
O primeiro disco da sua carreira foi em parceria com Caetano, em 1967, já como Gal, intitulado “Domingo”. No ano seguinte adere ao movimento tropicalista, em solidariedade ideológica aos parceiros e conterrâneos Caetano e Gil.
Considerada um ícone feminino por transgredir as convenções do momento, lança seu primeiro LP individual, enfim como Gal Costa, em 1969. As décadas seguintes serviram para sedimentar a imagem de Gal Costa. Uma intérprete ímpar e de cantar inebriante. Ajudou a apresentar ao Brasil, compositores como Luiz Melodia, Moraes Moreira e Djavan, e o poeta baiano Waly Salomão. Durante a carreira homenageou outros grandes autores musicais do país em discos inteiros, como Dorival Caymmi, Tom Jobim e Caetano (o mais gravado da sua carreira) e Chico Buarque, os dois últimos no disco “Mina D’água do meu Canto”, de 1995.
No seu mais recente CD (“Hoje”), gravou compositores novíssimos e, até então, inéditos na sua carreira, como os baianos Péri, Tito Bahiense e Moisés Santana. Gal Costa sempre buscou, na elaboração dos seus discos e escolha de repertório, aquilo que soasse original, genuíno. Essas e outras características a fazem compor, junto com Dalva de Oliveira e Ângela Maria, Elis Regina e Maria Bethânia, o panteão das maiores vozes femininas brasileiras de todos os tempos.
P.S.: Gal completou 61 anos de idade hoje.

segunda-feira, 25 de setembro de 2006

a canhota mágica

Nos arrabaldes de Buenos Aires, em 30 de outubro de 1960, nasceu Diego Armando Maradona. O fato de ser de origem pobre ajudou-lhe a valorizar mais as conquistas e enfrentar com franqueza os percalços de uma vida conturbada.
Ainda com três anos de idade, ganha um presente que se torna inerente à sua trajetória profissional: uma bola, com a qual ele dormira abraçado e iniciara uma íntima relação.Com 10 anos de idade, quando já abrilhantava os péssimos campos de várzea da região, foi convidado a participar do Cebollitas, formação infantil do time Argentino Juniors.
Exatamente há 10 dias para completar 16 anos, “el pibe de oro”, como era conhecido, estreou no Argentino Juniors, por onde permaneceu durante cinco temporadas.
Mesmo contra uma ovação pública, não foi convocado para a Copa do Mundo de 1978 (quando ainda tinha 17 anos) realizada na própria Argentina. Seus dribles desconcertantes e precisos, entretanto, ajudaram-lhe a conquistar, pelos juvenis da seleção argentina, o título mundial de 1979, disputado no Japão.
É contratado pelo seu time de coração: o Boca Juniors. Maradona, então com 21 anos de idade, sagra-se campeão nacional. Sua identificação com a equipe mais popular do país foi tamanha que ele se tornou uma espécie de símbolo do clube. A essa altura Diego Armando já era maior astro do futebol mundial.
O Barcelona, tradicional time espanhol, manifesta interesse na aquisição do craque argentino. Devido a dificuldades financeiras, o Boca cede às investidas do clube catalão e vende seu diamante, que promete um dia voltar.
Assina o novo contrato em junho de 1982. Contudo, antes da sua estreia no Barcelona, veio a Copa do Mundo deste ano, ocorrida na Espanha. Não conseguiu produzir, a partir das oitavas-de-final, o que se esperava dele. Uma forte e violenta marcação do escrete italiano inibiu Maradona de fulgurar na partida. Contra a Seleção Canarinho, idem. Após uma entrada impetuosa no defensor brasileiro Batista, foi expulso de campo na derrota e desclassificação argentina. Após a Copa e há menos de dois meses para completar 22 anos de idade, faz sua estreia no clube europeu.
O argentino tinha o objetivo de fazer jus ao investimento do time da Catalunha, mas no início da temporada uma hepatite o afastou dos gramados. Apesar de ter brindado o mundo com jogadas e gols espetaculares vestindo a camisa do Barcelona, o craque diz se sentir só, perseguido e até discriminado em terras espanholas. Os 58 jogos e 38 gols marcados podiam ter se ampliado, caso Maradona não fosse obrigado a ficar ausente da profissão por longos 106 dias. Em setembro de 1983, após uma veemente entrada que sofreu, teve um dos tornozelos fraturado. Despediu-se do Barcelona, sem títulos, em maio de 1984.
A carência de títulos seria saciada a partir da sua chegada ao Napoli, da Itália, em julho de 1984, por onde ficou durante sete anos. Diferente de Barcelona, foi agraciado e adotado por toda a cidade italiana de Nápoles desde o início. Em troca, correspondeu mudando e marcando a história do time e da cidade napolitanos para sempre. Foi como jogador do Napoli que conquistou a Copa do Mundo de 1986 pela sua Argentina, realizada no México.
No auge da carreira, aos 25 anos de idade, comandou a seleção argentina rumo ao título. Antes do torneio ele disse que seria a sensação da Copa. A profecia se concretizou: ele realmente foi soberbo!Apesar de acanhado na estatura, Diego Maradona era incomensurável na arte da bola. Protagonizou partidas inesquecíveis na Copa de 86, porém nenhuma como aquela contra a Inglaterra. “La mano de Dios”, essa é a definição do craque para o 1º gol contra os ingleses. Minutos após tal façanha, Dieguito provou ser, de fato, excepcional ao marcar o gol mais bonito da história dos mundiais.
O craque, no sentido mais literal da palavra, recebeu a bola ainda em seu campo, próximo à linha que divide o gramado e cercado por três ingleses. Vale interromper para lembrar o patriotismo argentino (característica, aliás, típica dos latinos, exceto dos brasileiros), já que ele conduzia seu país, ainda ferido pela derrota na guerra das Malvinas. Com um giro sobre o próprio corpo, livra-se dos primeiros adversários, em um ato que, regido por ele, parece bem fácil. Sempre sob o comando exclusivo do prestigiado pé esquerdo, com leves toques na redonda, cabeça erguida, corpo em prumo e dribles objetivos, ele consegue deixar mais três oponentes ao léu. Após o mais absoluto desespero contido na saída do arqueiro, o gênio finta também este para, caindo, empurrar a bola às redes vazias.
Após o título e consagração na Copa do México, regressa à Itália e ratifica tal ato. Pelo time napolitano é sublime e conquista os inéditos nacionais de 1987 e 1990 e também o único torneio internacional do clube: a UEFA de 1989. Maradona atesta a condição de melhor do planeta e parte para sua 3ª Copa do Mundo, em 1990.
Ironia ou não do acaso, realizada na Itália. Em mais uma peça pregada pelo destino, os argentinos enfrentam os próprios italianos em jogo eliminatório. Sem o apoio dos torcedores napolitanos, mesmo após pedido de Diego, a Argentina despacha a Itália em cobranças de pênaltis. Em nova final entre alemães e argentinos, os germânicos se deram melhor: 1x0.
Devido à falta de diplomacia durante a Copa e algumas atitudes indisciplinares de Dieguito, o clima entre ele e o Napoli muda após o torneio mundial. O casamento está chegando ao fim. O cúmulo ocorre em março de 1991 (ainda com apenas 30 anos), quando Maradona é punido em razão de um exame antidoping com resultado positivo. Ele é suspenso por 15 meses e deixa a Itália. Iniciava-se a decadência do craque.
Já sem a resplandecência de outrora, estreia no Sevilla, da Espanha, às vésperas de rematar 32 anos. Em apenas oito meses de estadia e oito gols assinalados, despede-se do time espanhol. Na data de seu 33º aniversário, após regresso à sua terra-natal, estreia no modesto Newell’s Old Boys. Foi uma passagem relâmpago e sem expressividade, característica destoante do famoso “pibe de oro”. Nenhum gol marcado nos cinco jogos em que atuou. O consumo de drogas, a essa altura, é a maior especialidade dele.
Mesmo com a queda de rendimento considerável na década de 90, o craque não perde a pompa e o amor a sua seleção. Alça voo aos Estados Unidos, em 1994, rumo a participar da sua 4ª e derradeira Copa do Mundo. Breve participação, aliás. Ainda nos jogos classificatórios, ao contrário do que imaginavam os críticos, faz excelente partida e belo gol contra a Grécia, na vitória do selecionado argentino. É sorteado para o exame antidoping. A saída do gramado estampando um sorriso maroto e de mãos dadas com a representante da operação, não ameniza a veracidade do fato. Maradona foi banido da Copa, em virtude da presença de Efedrina (substância excitante absorvida irregularmente) encontrada em suas excreções.
Acima do peso e longe de encontrar o esplêndido futebol dos tempos áureos, cumpre a promessa e retorna ao Boca Juniors. Neste momento ele tem, praticamente, 35 anos de idade.
Há exatos cinco dias para fechar 37, Diego Armando Maradona, lutando contra as drogas, despede-se definitivamente do futebol. Ainda que sensíveis problemas pessoais o afetassem e tivessem abalado sua carreira nesta década, a encerra com honras de rei e ídolo inesquecível da torcida. O último jogo foi uma coroada vitória sobre o rival River Plate, em pleno estádio Monumental de Nuñes.

domingo, 18 de junho de 2006

abelha rainha

Não só cantar, mas cantar e dramatizar. Interpretar. Dar realismo e veracidade às canções, aliadas à literatura e poesia nacionais. Esses são traços inerentes ao trabalho de Maria Bethânia. Tem na voz grave e vigorosa sua maior arma. Seu repertório mergulha, amplamente, no cancioneiro brasileiro. Ele percorre por compositores variados (de Noel Rosa a Carlinhos Brown) e tem uma seleção muito própria (ela diz que só grava o que lhe deixa emocionada). Tais peculiaridades são subsídios para colocá-la no patamar de maior diva do cenário musical brasileiro.
Seu nome foi sugestão do irmão, Caetano Veloso. Ele era impressionado com a canção do pernambucano Capiba, cujo título era “Maria Bethânia”. A prima-dona da música nacional nasceu em Santo Amaro da Purificação, cidade do recôncavo baiano. Ainda adolescente veio para Salvador, acompanhada por Caetano, para concluir os estudos. Todavia, a ebulição cultural que imperava na capital baiana logo a deixou seduzida. Exatamente no dia 13 de fevereiro de 1965 iniciava-se o ofício (palavra que ela mesma gosta de empregar) de Maria Bethânia. Substituiu Nara Leão no célebre show “Opinião”, interpretando a música “Carcará”, de João do Valle, e não mais desceu dos palcos. A partir daí, Bethânia despontou para o universo musical do Brasil. Já cantou em parceria com Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, João Gilberto, Roberto Carlos e muitos outros.
A cantora baiana ficou marcada, ao longo da carreira, como uma das maiores intérpretes, especificamente, de três compositores: Chico Buarque, Gonzaguinha e Caetano Veloso. Porém, seu último trabalho foi inteiramente dedicado ao poeta e compositor Vinicius de Moraes, por quem tem profunda veneração. O CD, intitulado “Que falta você me faz”, abocanhou a estatueta de melhor disco no Prêmio Tim de Música 2006. O mesmo ocorreu com o espetáculo “Tempo, Tempo, Tempo, Tempo”, referente à turnê do disco, que ganhou como melhor DVD, e com ela própria, vencedora na categoria melhor cantora. Hoje Bethânia completa 60 anos de idade e, ao invés de ganhar, deu um estupendo presente aos admiradores. As gravadoras por onde ela passou se uniram (algo inédito no país) e lançaram todos os seus discos, inclusive os que estavam fora de catálogo, em CD. Eles chegam ao mercado com encartes especiais, recheados de informações adicionais. Foram resgatadas e preservadas (na medida do possível), também, as ilustrações originais. Enfim, produtos que fazem jus à artista, para fã nenhum botar defeito.


P.S.: em novembro serão lançados, simultaneamente, dois novos discos de Bethânia: “Pirata” (uma homenagem às águas doces), e “Mar de Sophia” (uma homenagem às águas salgadas).

segunda-feira, 12 de junho de 2006

verdadeira evolução

Um quadro com mais de 150 crianças e adolescentes. Esse é o número de pessoas assistidas na clínica-escola Evolução, uma associação que presta atendimento médico e pedagógico especializados àqueles que possuem distúrbios de comportamento. Essa denominação se aplica aos portadores de microcefalia, hiperceneses, psicoses e outros transtornos neuropsiquiátricos. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) existem, na Bahia, 120 mil portadores de deficiência mental no processo de inclusão. Em contrapartida, o Sistema Único de Saúde (SUS) cobre, paliativamente, essas doenças mentais crônicas.
Ao buscar ajuda no Centro Estadual de Prevenção e Reabilitação de Deficiências (Cepred), há três anos, a dona-de-casa Sílvia Pinto, 40 anos, mãe de João*, 10 anos, descobriu a existência da Evolução. “Como ninguém queria meu filho, e ele foi rejeitado em várias escolas, um médico me recomendou procurar a instituição”, diz. O garoto está diagnosticado como portador de hiperatividade de difícil controle. “Desde os três anos de idade ele demonstrava exagerada agitação e falta de concentração”, revela.
Após a entrada e sua participação nas atividades funcionais, recreativas, pedagógicas e clínicas da organização, João melhorou o seu comportamento social e relacionamento com as outras pessoas. “Hoje ele assiste a filmes, ouve música, brinca com crianças normais e, em determinados locais, até solto a mão dele”, conta. A maior satisfação de Sílvia é ter encontrado um local que acolheu seu filho com respeito. “Certa vez, a diretora de uma escola particular situada no bairro de Cosme de Farias, exaltou que, pela sua agitação, João seria a ‘sensação’ do colégio”, revela.
A professora aposentada Magire Santos, 66 anos, é mãe de Paulo*, 34 anos (um caso específico), portador de uma deficiência mental rara: Rubinstein-Taybi (SRT).

“Ainda recém-nascido, já percebia seu comportamento diferenciado desde o processo de amamentação”, diz. Há mais de 20 anos, ao buscar tratamento com o psiquiatra Fernando Pondé, a aposentada descobriu a doença do seu filho. Para Magire, os mais de 15 anos de Paulo na Evolução surtiram efeito positivo no processo de inclusão social dele. “Ele vai a restaurantes, cinemas, aniversários e até pratica natação”, exalta.
A média de gasto para um tratamento particular, incluindo profissionais da área de psiquiatria, psicologia, fonoaudiologia, pedagogia e educação física, é de dois mil reais mensais. No caso de atendimento para essas doenças mentais graves no âmbito público, as referências são o Instituto Guanabara e o Centro de Saúde Mental Mário Leal, onde são fornecidos os remédios de alto custo. O egresso na Evolução, tratando-se de valores, varia de acordo com a situação de cada família. “Há pessoas que não têm condições de pagar mensalmente e ficam isentas, mas quem pode, colabora”, diz a costureira Tânia Maria Silva, 41 anos, também mãe de um paciente da organização. A instituição tem como parceiras a Petrobras e uma organização-não-governamental (ONG) italiana.
A clínica-escola, situada no bairro do Imbuí, também é conhecida como Associação dos Pais e Amigos das Crianças e Adolescentes com Distúrbios de Comportamento. A psiquiatra da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Maria Conceição Campos, considera essa expressão ampla, pois abrange qualquer alteração das ações, sentimentos, emoções e expressões do ser humano. “Crianças sem diagnóstico, que fazem muita birra, por exemplo, podem apresentar distúrbio de comportamento”, complementa.
O regimento das crianças inscritas na Evolução é em opções de turno ou tempo integral, de segunda a sexta-feira. Nesse período, são submetidas a um processo de socialização e exploração das suas potencialidades, por um ciclo de profissionais especializados. Atentos para a falta de capacitação das famílias das crianças, os responsáveis pela organização promovem a terapia familiar. Através de cursos e palestras, as mães adquirem informações eficazes para lidarem com as crianças especiais.
O motivo do surgimento da Evolução foi a escassez de um trabalho especializado voltado para portadores de doenças mentais graves. Para o professor de educação física e supervisor da instituição, Cristiano Lima, a capital baiana ainda carece de mais investimentos públicos voltados a esses doentes. “As políticas públicas andam de acordo com a mídia: agora é Down”, protesta, referindo-se à síndrome que é mais conhecida pela população.

Doença rara - A síndrome de Rubinstein-Taybi (SRT) foi descrita primeiramente em um relatório de caso em 1957, mas foi só em 1963 que dois médicos Jack H. Rubinstein & Hooshang Taybi descreveram o quadro de sete crianças com polegares e hálux largos e grandes, anormalidades faciais e retardo mental. Desde então a síndrome ficou prontamente identificável e foram informados centenas de casos no mundo todo.
A STR tem como principais características estatura baixa, nariz bicudo, orelhas ligeiramente malformadas, um palato altamente curvado, fendas antimongolóides dos olhos, sobrancelhas grossas ou altamente curvadas, cabeça pequena, polegares e hálux largos, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, baixa estatura, além de dificuldades relacionadas à alimentação especialmente nos lactentes. A incidência da STR é de aproximadamente 1 a cada 300 mil nascimentos vivos.


* foram usados nomes fictícios para preservar as fontes