sábado, 28 de outubro de 2006

uns mais iguais que os outros

Às vésperas de sua despedida da Timbalada, o vocalista Ninha, ao comentar sobre Carlinhos Brown, disse algo real e interessante: "Ele está sempre na frente, sempre reinventando, quando você pensa que vai pegar no calcanhar dele, já deu mais um passo". O motivo de apresentar essa passagem da entrevista de Ninha é para fazer uma analogia entre a relação da TV Globo e suas "concorrentes" (concorrentes?!). Mais precisamente, os debates envolvendo os candidatos a presidente em 2006. É a mesma coisa. Imaginava-se, como na maior parte dos outros, um debate enfadonho (o que não deixou completamente de ser), mas a maior emissora do país inovou e renovou, como faz o já citado artista baiano.
Supunha-se que por ser o último debate (e desta vez quase todas as emissoras apelaram para a discussão televisiva com a duvidosa desculpa de favorecimento à democracia), descambaria ao fracasso, ao cansaço. Mas não. Sob novo feitio e enfeites tecnológicos, o debate apresentou os dois candidatos à vontade no palco, livres para circular e sentar (e se entreolhar, e se encarar). Willian Bonner, o mediador, esbanjou competência, comando e objetividade desde a apresentação das regras (e pelo que declarou ao final, era uma estratégia da emissora para não ultrapassar o horário legalmente permitido).
Sob uma pesquisa do Ibope, 80 eleitores indecisos de todas as regiões do país, compuseram a plateia e conduziram a discussão a partir dos seus questionamentos, frente-a-frente com os presidenciáveis. Desta vez, os jornalistas (da respectiva emissora organizadora do debate), nem estavam lá para dispararem suas perguntas aos candidatos, o que deu até saudade, devido ao que foi ouvido.
Não é responsabilidade direta do presidente se "o meu patrão não assinou minha carteira", ou se "em minha casa entra água quando chove". O rebolado dos presidenciáveis trouxe essas e outras questões para o universo da discussão prevista. Esse formato apresentado pela Globo (talvez, ou, certamente, sem intenção) propiciou a estratégia de Lula, pois obrigou os candidatos a falarem sobre planos e propostas de governo. Ainda assim, Alckmin não titubeava em atacar o governo atual e seu partido, em qualquer oportunidade possível. O tempo mais curto para as respostas tornou o debate menos consistente, mas mais diligente. Conseguiu, sem muito esforço, manter o espectador aceso, frente à televisão (até aquela hora!). Foi o melhor debate. Teve a dose certa entre afronta e respeito, delações e reconhecimentos entre os candidatos. Apesar do olho-no-olho, pega-pega, risadinhas e tom meio irônico, o âmago entre os debates foi o mesmo: o petista convence pela verdade (a quem interessar possa) e o tucano pela oratória (a quem, também, interessar possa). Como dissera os Engenheiros do Hawaí, os debates envolvendo os candidatos a presidente, no fundo, foram "todos iguais, tão desiguais, uns mais iguais que os outros..."

terça-feira, 24 de outubro de 2006

mais do mesmo

O título do texto é uma alusão a uma canção da saudosa Legião Urbana, que retrata, exatamente, o que ocorreu no debate presidencial promovido pela Rede Record: mais do mesmo. A começar pelos mediadores. Exceto Ricardo Boechat, na Band, os outros já foram da poderosa e maldita (pela própria classe jornalística) Rede Globo. Ana Paula Padrão, no SBT, Celso Freitas, na Record e Willian Bonner, que irá mediar na própria Globo, na sexta (27). O alvo deste texto é o debate de ontem (23), na Record, porém refere-se a todos os anteriores.
Pois bem. As repetições começaram no formato, idêntico aos outros. Mediador no centro, os candidatos postados, cada um, à direita e esquerda do apresentador. Platéia arrumadinha (às vezes nem tanto) à frente de tal cenário, munida, dentre interessados diretos (políticos e organizadores de campanha), de jornalistas especializados, ávidos para questionarem os presidenciáveis da vez.
Celso Freitas, então, anuncia as mesmas regrinhas castradoras. Regras elaborados para um robô programado responder, ou exigir que enquanto o candidato responda, faça uma contagem regressiva mentalmente para se situar. Convenhamos que o tempo (pelo visto, regra geral e imutável) de 2 minutos é curto, tanto que quase sempre é estourado pelos falantes. A temática do debate da Record foi a mesma: Alckmin nunca fala de planos de governo (o grande objetivo de um debate), só de denúncias e problemas relacionados ao partido que o presidente-candidato Lula é filiado. Até as respostas do atacado são as mesmas: apuração, será feita apuração e punição aos merecedores.
O comportamento dos oponentes também é o mesmo. O petista um pouco mais nervoso, tenso e com discurso guiado pela emoção, e o tucano mais equilibrado, estratégico (?!) e dramático no sentido cênico. Parecia estar em um eterno teste para novelas. Talvez pelo fato de estarmos próximos às eleições, esse confronto perdeu em agressividade. Não que essa seja uma característica primordial em tais eventos, mas, com certeza, desperta o telespectador na sua poltrona.
O falatório repetitivo e monótono deu o tom do debate. Geraldo e sua política à moda antiga, de discursos prontos, enfatizando os temas de modo geral (vou melhorar a educação, vou aumentar o emprego, vou melhorar a saúde....), quando o faz, e insistindo que tudo está péssimo no governo Lula. O petista, indiscutivelmente mais carismático e menos "malandro", seduz pela estampa verdadeira, humilde e projetos reais, mas enjoa com as comparações a outros ex-presidentes. Para quem assistiu aos outros debates, esse tornou-se pouco proveitoso.
Para não ficarmos bitolados somente nas igualdades entre os debates, teve, pelo menos, uma distinção. A Record colocou a contagem regressiva na tela, certamente para demonstrar credibilidade ao telespectador quanto ao fiel cumprimento dos prazos pré-determinados (ainda que a decorrência do tempo seja mais importante para o candidato visualizar). Sem muita ilusão, de diferente mesmo foi só isso! Sobre o ocorrido no debate, finalizo com o que diz o slogan da campanha publicitária (que ele caracterizou como "desperdício") do candidato tucano: nem mais, nem menos, apenas os fatos.

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

minha casa

Estive ontem (23), na Concha Acústica prestigiando o show do magnífico maranhense Zeca Baleiro. Isso me lembrou reouvir os discos dele (tenho os 5, e ainda aquele em parceria com Fagner). Considero-lhe, ao lado do pernambucano Lenine, do paraibano Chico César, do baiano Carlinhos Brown, dentre outros, um dos ícones da música brasileira. No deleite da canção "Minha casa", dele próprio e faixa de abertura do CD "Líricas", percebi, como acontece em muitas outras músicas, uma identificação ímpar comigo. Resolvi postar. É uma canção sobre realidade e como diz o autor: "de esperança, apesar do aparente desencanto".


é mais fácil cultuar os mortos que os vivos
mais fácil viver de sombras que de sóis
é mais fácil mimeografar o passado que imprimir o futuro
não quero ser triste
como o poeta que envelhece lendo maiakóvski na loja de conveniência
não quero ser alegre
como o cão que sai a passear com o seu dono alegre sob o sol de domingo
nem quero ser estanque como quem constrói estradas e não anda
quero, no escuro, como um cego, tatear estrelas distraídas
amoras silvestres no passeio público
amores secretos debaixo dos guarda-chuvas
tempestades que não param
pára-raios quem não tem
mesmo que não venha o trem, não posso parar
vejo o mundo passar como passa uma escola de samba que atravessa
pergunto onde estão teus tamborins
sentado na porta de minha casa
a mesma e única casa
a casa onde eu sempre morei

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

vivo

Há alguns dias, na faculdade, aula de Mari Fiorelli, determinado assunto trouxe à tona a questão da aquisição de CD's. A professora foi incisiva e, aparentemente, convicta da resposta, quando perguntou: alguém aqui ainda compra CD? Todos negaram, inclusive eu. Ela obteve a resposta que imaginava. Mas eu não quis, ou não tive coragem, ou não estava a fim mesmo de polemizar. Eu compro CD. E muito. Eu coleciono e só compro original, na loja. Sei lá, acho que herdei isso da minha mãe (se é que é possível haver genética nesse assunto). Minha mãe faleceu há sete anos (precisamente dia 23 de agosto de 1999), mas até lá, ela colecionava vários apetrechos: selos, pedras raras, moedas, livros, filmes e discos. Hoje dou continuidade. Atualizei (afinal, sou da era do CD e DVD!) e ampliei apenas as coleções de discos e filmes. Vergonhosamente, a de livros, enxuguei. As outras, sem dó, extingui.
Pra quem tem esse espírito de coleção, só vale o original, o completo. Só ouvir a música, por ouvir, não é interessante, ou completamente satisfatório. Eu quero a obra completa, a história musical, os compositores, as parcerias, os músicos envolvidos. Coletânea, não compro. Monto, de acordo com a minha preferência, apenas para colocar no carro. Coletânea não é gostar do artista, mas dos sucessos daquele artista. Assim é fácil! E nem sempre o fácil me seduz. Pra quem coleciona, o encarte, o cheiro de novo são fundamentais. A busca pela obra completa, é tudo. Um dos meus motivos de viver, um dos meus maiores prazeres, sem hesitar ou pestanejar, é a música. E CD, só original!
Agora vai uma canção de Lenine e Carlos Rennó, que está no disco In Cité, de Lenine, gravado ao vivo na França em 2004 (é difícil encontrar um "piratão" desse álbum!). Chama-se "Vivo" e, sob o jogo e malabarismo com as palavras, tão peculiar de Lenine (influenciado, sem dúvida, por Gilberto Gil) fala sobre a essência de um ser humano, no caso eu, pois me apossei da música. Até porque a arte está aí para adequarmos a nossa interpretação.


precário, provisório, perecível
falível, transitório, transitivo
efêmero, fugaz e passageiro

eis aqui um vivo

impuro, imperfeito, impermanente
incerto, incompleto, inconstante
instável, variável, defectivo

eis aqui um vivo

e apesar
do tráfico, do tráfego equívoco
do tóxico do trânsito nocivo
da droga do indigesto digestivo
do câncer vir do cerne do ser vivo
da mente, o mal do ente coletivo
do sangue, o mal do soropositivo
e apesar dessas e outras
o vivo afirma, firme, afirmativo
"o que mais vale a pena é estar vivo"

não feito, não perfeito, não completo
não satisfeito nunca, não contente
não acabado, não definitivo

eis aqui um vivo

eis-me aqui

domingo, 1 de outubro de 2006

rapa tudo

O grupo O Rappa surgiu há 12 anos, no Rio de Janeiro. A voz rouca e viril do vocalista Marcelo Falcão, aliada a letras de rebeldia e repúdio às distinções políticas, econômicas e sociais do Brasil, são marcas inconfundíveis da banda. A sonoridade instigante, suingada e indefinível faz o grupo transitar, sem dificuldade, entre alternativo e popular, absorvendo em seus shows um público de várias tribos. A formação atual é Marcelo Falcão, Xandão, Marcelo Lobato e Lauro Farias. O compositor Marcelo Yuka decidiu abandonar a trupe, a partir de 2001, devido a uma incompatibilidade ideológica das suas composições em relação aos outros integrantes.
Eles possuem 6 discos lançados ao longo da carreira, uma média de 1 a cada 2 anos. Tais números apontam para um louvável desdém dos rapazes à sedenta indústria fonográfica. Ainda assim, a fidelidade do seu público faz d’O Rappa um considerável vendedor de discos. As cantoras Maria Rita e Vania Abreu regravaram a canção “Minha Alma (A paz que eu não quero)”, em seus últimos álbuns. Essa situação demonstra a dimensão que vem alcançando o trabalho d’O Rappa. O seu leque de admiradores é ampliado por nomes como Zeca Pagodinho e o grupo Cidade Negra. Esse crescimento do conjunto carioca, em parte, vem do fervor espontâneo das suas apresentações ao vivo. A dedicação, principalmente do vocalista Falcão, é algo metafísico. Segundo crítica publicada no jornal O Globo (agosto/2001), “desde a Legião Urbana que não aparecia uma banda tão sintonizada com os corações e as mentes dos brasileiros”.