quarta-feira, 1 de junho de 2005

a césar o que é de césar

Sem muito esforço, há alguns poucos anos, me recordo da decisão da cantora Maria Bethânia de trocar uma gravadora multinacional pela pequena e recém-nascida Biscoito Fino. À época, a maior intérprete da música popular brasileira explicara que um dos motivos que a levara à nova empreitada era o tratamento que recebia na gigante do mercado fonográfico com a qual era vinculada.
Para ela, cada artista deve ter um tratamento diferenciado, particular. Deixou claro que não deveria ser melhor ou pior se comparado com o que fosse dispensado a qualquer outro artista mais “popularesco” (essa expressão é minha!), porém, único. O que ocorre nas grandes gravadoras é que todos os artistas são igualmente objetos de lucro, sem qualquer distinção. O motivo dessa apresentação é buscar uma analogia com o caso da dispensa do Ronaldo pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para os importantes jogos das Eliminatórias para a Copa do Mundo contra o Paraguai, dia 05/06 em Porto Alegre e, principalmente, dia 08/06 contra a Argentina, em Buenos Aires.
Após temporada no clube que defende, o Real Madrid, da Espanha, o fenômeno, (“galvãobuenadamente” adjetivando) alicerçado pela sua bagagem futebolística, com o intuito de curtir melhor suas férias e afundar explícitos problemas pessoais, pediu dispensa dos jogos pela seleção na Copa das Confederações. Antes de continuar, darei um parêntese para explicar esse evento. Apresentado pela CBF como indispensável para o entrosamento e confirmação do elenco já às vésperas da Copa do Mundo de 2006, nada mais é que um torneio-laboratório (vida ou morte para alguns atletas) e uma elegante forma de engordar os cofres da confederação, visto que o “cachê” da amarelinha apresenta números exorbitantes.
Voltemos. A comissão técnica e os dirigentes, à primeira vista, acataram o pedido, mas, como a professora fazia nos meus tempos de primário e me colocava isolado, de frente e rente à parede quando me comportava contra as normas do ambiente, deu um castigo ao craque. O desobrigou também das partidas válidas pelas Eliminatórias que acontecem antes da tal Copa das Confederações. O famoso boleiro, obviamente (enfrentar a tradicional rival Argentina teve, tem e sempre terá um sabor ímpar), estava determinado a participar.
Aí vem a questão: aonde entra a majestosa irmã do Caetano Veloso nessa história? A reivindicação é a mesma. Os diferentes devem ser tratados com diferença. No caso dos artistas, a cantora natural de Santo Amaro da Purificação no interior da Bahia, conseguiu considerada independência na atual gravadora, vide seus mais recentes trabalhos (Maricotinha ao vivo, Brasileirinho e Que falta você me faz, os últimos com produção, inclusive, em DVD) onde o compromisso primordial não é o reflexo das vendas, mas a satisfação do artista. Para isso, pesa a trajetória e magnitude apresentadas ao longo dos anos.
Guardando as devidas proporções e retornando ao universo da bola, Ronaldo deve ser tratado particularmente, sim. O povo brasileiro, na sua essência, isso já é de praxe, tem a memória curta. Apesar de nascido em Bento Ribeiro, periferia do Rio de Janeiro, o camisa 9 da seleção começou a carreira profissional no Cruzeiro, de Minas Gerais. A primeira convocação para a seleção se deu em 1993, com apenas 17 anos. No campeonato brasileiro de 1994, com a camisa da raposa, fez 12 gols nos 14 jogos da equipe mineira.
Como torcedor do Vitória, vale uma ressalva, em uma saudação aos baianos tricolores. Foi nesse mesmo ano que o então franzino, dentuço, com cabelos encaracolados e emergente atacante do Cruzeiro, aprontou uma das maiores façanhas da sua carreira. Como um larápio surpreende sua vítima, ele surrupiou a bola do sensacional e naquele momento, desesperado, goleiro Rodolfo Rodriguez para marcar o seu quinto gol no jogo. Resultado final: Cruzeiro 6x0 Bahia. Belas recordações.
Do time mineiro, o fenômeno despontou para o mundo, sempre genial, artilheiro e campeão nas suas passagens por Holanda, Espanha, Itália e, novamente, Espanha. Ainda com diversos títulos pela seleção, inclusive uma Copa do Mundo como principal goleador. No esplendor dos seus 29 anos (a serem completados em setembro próximo), idade que no mundo da bola, representa maturidade e respeito, de uma carreira bem sucedida, um profissional exemplar (seguindo os moldes do seu ídolo maior, o Zico), o Ronaldo vai pagar prenda? Pára com isso! Acompanho futebol nos tempos em que só os inveterados sabiam nome dos treinadores. No circo atual eles aparecem mais que os atores, os jogadores. Que me perdoe o Carlos Alberto Parreira e sua eterna cara amarrada, mas o Ronaldo não merecia essa ducha fria!
Caso o pedido de dispensa fosse oriundo de um atleta emergente na seleção, era explicável. Novamente retomo a questão. Faça por onde e arranque seu espaço. O tratamento destinado ao ídolo da torcida brasileira, Ronaldo, jamais, sob hipótese alguma, poderá ser idêntico ao reservado a um atleta mais novo na seleção. Uns ainda vão suar muito pra fazer por merecer como Ronaldo.
O interessante disso é que o treinador Parreira, à segunda vista, mudou de opinião e assumiu que o fenômeno é realmente um jogador diferenciado, entendeu sua situação e já afirmou que ele estará de volta em setembro. A situação é o futebol e suas nuanças. E se o substituto do Ronaldo arrebentar nesses quatro jogos? É um risco. Caso isso ocorra, para o torcedor é só alegria, cabe ao treinador desamarrar.... esse nó.

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