domingo, 18 de junho de 2006

abelha rainha

Não só cantar, mas cantar e dramatizar. Interpretar. Dar realismo e veracidade às canções, aliadas à literatura e poesia nacionais. Esses são traços inerentes ao trabalho de Maria Bethânia. Tem na voz grave e vigorosa sua maior arma. Seu repertório mergulha, amplamente, no cancioneiro brasileiro. Ele percorre por compositores variados (de Noel Rosa a Carlinhos Brown) e tem uma seleção muito própria (ela diz que só grava o que lhe deixa emocionada). Tais peculiaridades são subsídios para colocá-la no patamar de maior diva do cenário musical brasileiro.
Seu nome foi sugestão do irmão, Caetano Veloso. Ele era impressionado com a canção do pernambucano Capiba, cujo título era “Maria Bethânia”. A prima-dona da música nacional nasceu em Santo Amaro da Purificação, cidade do recôncavo baiano. Ainda adolescente veio para Salvador, acompanhada por Caetano, para concluir os estudos. Todavia, a ebulição cultural que imperava na capital baiana logo a deixou seduzida. Exatamente no dia 13 de fevereiro de 1965 iniciava-se o ofício (palavra que ela mesma gosta de empregar) de Maria Bethânia. Substituiu Nara Leão no célebre show “Opinião”, interpretando a música “Carcará”, de João do Valle, e não mais desceu dos palcos. A partir daí, Bethânia despontou para o universo musical do Brasil. Já cantou em parceria com Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, João Gilberto, Roberto Carlos e muitos outros.
A cantora baiana ficou marcada, ao longo da carreira, como uma das maiores intérpretes, especificamente, de três compositores: Chico Buarque, Gonzaguinha e Caetano Veloso. Porém, seu último trabalho foi inteiramente dedicado ao poeta e compositor Vinicius de Moraes, por quem tem profunda veneração. O CD, intitulado “Que falta você me faz”, abocanhou a estatueta de melhor disco no Prêmio Tim de Música 2006. O mesmo ocorreu com o espetáculo “Tempo, Tempo, Tempo, Tempo”, referente à turnê do disco, que ganhou como melhor DVD, e com ela própria, vencedora na categoria melhor cantora. Hoje Bethânia completa 60 anos de idade e, ao invés de ganhar, deu um estupendo presente aos admiradores. As gravadoras por onde ela passou se uniram (algo inédito no país) e lançaram todos os seus discos, inclusive os que estavam fora de catálogo, em CD. Eles chegam ao mercado com encartes especiais, recheados de informações adicionais. Foram resgatadas e preservadas (na medida do possível), também, as ilustrações originais. Enfim, produtos que fazem jus à artista, para fã nenhum botar defeito.


P.S.: em novembro serão lançados, simultaneamente, dois novos discos de Bethânia: “Pirata” (uma homenagem às águas doces), e “Mar de Sophia” (uma homenagem às águas salgadas).

segunda-feira, 12 de junho de 2006

verdadeira evolução

Um quadro com mais de 150 crianças e adolescentes. Esse é o número de pessoas assistidas na clínica-escola Evolução, uma associação que presta atendimento médico e pedagógico especializados àqueles que possuem distúrbios de comportamento. Essa denominação se aplica aos portadores de microcefalia, hiperceneses, psicoses e outros transtornos neuropsiquiátricos. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) existem, na Bahia, 120 mil portadores de deficiência mental no processo de inclusão. Em contrapartida, o Sistema Único de Saúde (SUS) cobre, paliativamente, essas doenças mentais crônicas.
Ao buscar ajuda no Centro Estadual de Prevenção e Reabilitação de Deficiências (Cepred), há três anos, a dona-de-casa Sílvia Pinto, 40 anos, mãe de João*, 10 anos, descobriu a existência da Evolução. “Como ninguém queria meu filho, e ele foi rejeitado em várias escolas, um médico me recomendou procurar a instituição”, diz. O garoto está diagnosticado como portador de hiperatividade de difícil controle. “Desde os três anos de idade ele demonstrava exagerada agitação e falta de concentração”, revela.
Após a entrada e sua participação nas atividades funcionais, recreativas, pedagógicas e clínicas da organização, João melhorou o seu comportamento social e relacionamento com as outras pessoas. “Hoje ele assiste a filmes, ouve música, brinca com crianças normais e, em determinados locais, até solto a mão dele”, conta. A maior satisfação de Sílvia é ter encontrado um local que acolheu seu filho com respeito. “Certa vez, a diretora de uma escola particular situada no bairro de Cosme de Farias, exaltou que, pela sua agitação, João seria a ‘sensação’ do colégio”, revela.
A professora aposentada Magire Santos, 66 anos, é mãe de Paulo*, 34 anos (um caso específico), portador de uma deficiência mental rara: Rubinstein-Taybi (SRT).

“Ainda recém-nascido, já percebia seu comportamento diferenciado desde o processo de amamentação”, diz. Há mais de 20 anos, ao buscar tratamento com o psiquiatra Fernando Pondé, a aposentada descobriu a doença do seu filho. Para Magire, os mais de 15 anos de Paulo na Evolução surtiram efeito positivo no processo de inclusão social dele. “Ele vai a restaurantes, cinemas, aniversários e até pratica natação”, exalta.
A média de gasto para um tratamento particular, incluindo profissionais da área de psiquiatria, psicologia, fonoaudiologia, pedagogia e educação física, é de dois mil reais mensais. No caso de atendimento para essas doenças mentais graves no âmbito público, as referências são o Instituto Guanabara e o Centro de Saúde Mental Mário Leal, onde são fornecidos os remédios de alto custo. O egresso na Evolução, tratando-se de valores, varia de acordo com a situação de cada família. “Há pessoas que não têm condições de pagar mensalmente e ficam isentas, mas quem pode, colabora”, diz a costureira Tânia Maria Silva, 41 anos, também mãe de um paciente da organização. A instituição tem como parceiras a Petrobras e uma organização-não-governamental (ONG) italiana.
A clínica-escola, situada no bairro do Imbuí, também é conhecida como Associação dos Pais e Amigos das Crianças e Adolescentes com Distúrbios de Comportamento. A psiquiatra da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Maria Conceição Campos, considera essa expressão ampla, pois abrange qualquer alteração das ações, sentimentos, emoções e expressões do ser humano. “Crianças sem diagnóstico, que fazem muita birra, por exemplo, podem apresentar distúrbio de comportamento”, complementa.
O regimento das crianças inscritas na Evolução é em opções de turno ou tempo integral, de segunda a sexta-feira. Nesse período, são submetidas a um processo de socialização e exploração das suas potencialidades, por um ciclo de profissionais especializados. Atentos para a falta de capacitação das famílias das crianças, os responsáveis pela organização promovem a terapia familiar. Através de cursos e palestras, as mães adquirem informações eficazes para lidarem com as crianças especiais.
O motivo do surgimento da Evolução foi a escassez de um trabalho especializado voltado para portadores de doenças mentais graves. Para o professor de educação física e supervisor da instituição, Cristiano Lima, a capital baiana ainda carece de mais investimentos públicos voltados a esses doentes. “As políticas públicas andam de acordo com a mídia: agora é Down”, protesta, referindo-se à síndrome que é mais conhecida pela população.

Doença rara - A síndrome de Rubinstein-Taybi (SRT) foi descrita primeiramente em um relatório de caso em 1957, mas foi só em 1963 que dois médicos Jack H. Rubinstein & Hooshang Taybi descreveram o quadro de sete crianças com polegares e hálux largos e grandes, anormalidades faciais e retardo mental. Desde então a síndrome ficou prontamente identificável e foram informados centenas de casos no mundo todo.
A STR tem como principais características estatura baixa, nariz bicudo, orelhas ligeiramente malformadas, um palato altamente curvado, fendas antimongolóides dos olhos, sobrancelhas grossas ou altamente curvadas, cabeça pequena, polegares e hálux largos, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, baixa estatura, além de dificuldades relacionadas à alimentação especialmente nos lactentes. A incidência da STR é de aproximadamente 1 a cada 300 mil nascimentos vivos.


* foram usados nomes fictícios para preservar as fontes